“Quando o carteiro chegou e o meu nome gritou com uma carta na mão, ante surpresa tão rude, nem sei como pude chegar ao portão. Lendo o envelope bonito no seu sobrescrito eu reconheci a mesma caligrafia que me disse uma dia: estou farto de ti. Porém, não tive coragem de abrir a mensagem. Porque, na incerteza, eu meditava é dizia: será de alegria ou será de de tristeza? Quanta verdade tristonha e mentira risonha que uma carta nos traz. È, assim pensando, reguei rua carta e queimei para não sofrer mais’.
A última gravação da música acima (Cicero Nunes e Aldo Cabral) foi feita magistralmente pela sempre impecável Ná Ozzetti, em Show. E a canção me veio à Cabeça com força total ao assistir a um curta-metragem do Jacques Tati. Recomendo principalmente para quem nunca ouviu falar nele.
Mas vendo o Mon oncle entregando cartas e ouvindo a Ná, Comecei a pensar no carteiro. Hoje em dia o carteiro virou um mala. Um mala direto. Fico fora de São Paulo e quando volto, depois de um mês, tem um metro de correspondência. Avisos bancários, cobranças, ofertas, convites, convites, convites, mala direta direto. Carta, nenhuma. Cara que eu digo é aquilo escrito á mão, de alguém para alguém, contando as movidades, declarando seu amor, ou encerrando uma aventura. Já não se fazem mais carta como antigamente. O fax é depois os E-mails acabaram com a carta. Veja aquela letra: ‘ Quando o carteiro chegou é meu nome gritou’. Existia uma relação entre o carteiro é o destinatário. Você deve ter lido ou assistido O carteiro e o poeta. Aquilo, sim, era um poeta é um carteiro.
O carteiro fazia parte do nosso imaginário, das nossas esperanças, dos nossos amores. Escreviam-se carta s. Você pegava aquele papel de carta e sabia que ele foi manuseado lá longe, noutra cidade, noutro país por aquelas mãos que o redigiram. E não que digitaram. Era comum algumas cartas chegarem com manchas. Lágrimas que pingavam por emoção ou dor.
E hoje o carteiro é um mala. Oitenta por cento do que ele traz são jogados no lixo mais próximo. A cada convite que jogo no lixo, sinto pena do carteiro. Ele caminhou quadras e quadras para leva aquilo. Mas nada daquilo me emociona. Não recebo mas do carteiro uma comovente notícia de morte. Muito menos uma carta de amor.
Mais mala ainda se torna os carteiros na época de Natal, com aqueles cartões horrorosos de boas festas e um ano de paz e prosperidade. Desejar isso nos dias de hoje é uma gozação: no mundo e no Brasil. Deviam escrever: quem em 2003 você segure todas. E o pior é o ‘junto aos seus’. Eu nunca sei quem são os meus.
Em época de eleições, o carteiro fica insuportável com aqueles santinhos todos de deputados é vereadores. O mais engraçado é aquilo se chamar santinho e quando você olha para a cara do remetente, de santo não tem picas.
O carteiro tende a desaparecer totalmente da face da Terra dentro de – no máximo – dez anos. Tudo chegará pelo computador. Tudo! Até as malas diretas dos malas cheios de indiretas.
Ninguém mais escreve cartas ao coronel nem ao soldado raso. Ninguém mais tem coragem de escrever num papel o seu amor eterno (ou não) e assinar embaixo. E deixar duas gotas paralelas de lágrimas carimbarem a verdade no papel.
O carteiro está morrendo e com ele muito, mas muito mesmo de um outro mundo. De um mundo mais romântico, é claro. Onde a gente ficava no portão esperando pelo personagem, ansioso apreensivo, tenso. E, depois de abrir a carta, sorrir ou chorar. É, a emoção não nos chega mais pelas mãos do carteiro e do porteiro.
Como já dizia o poeta lá de cima, ‘quanta verdade tristonha a mentira risonha que uma carta nos traz’. É Neruda, já não se fazem mais carteiros nem poetas como na sua época.”
Mario Prata In: O estado de S. Paulo, 12 fev. 2003, p. D10.
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ResponderExcluirNinguém mais escreve...
ResponderExcluirNão há tempo para ser dedicado ao outro...
para pensar no outro, sentir...
e passar isso para o papel...
Talvez essa seja mais uma verdade tristonha que não ri da mentira de falsos sentimentos, muito longe da verdade que sinto e nessa mensagem lhe trago.
Sucesso no Blog, meu querido amigo e aluno!
Para ti, sempre terei tempo de escrever!
GG abraço!
Ninguém escreve mais, a escrita está morrendo e com ela a leitura também está tomando o mesmo caminho.
ResponderExcluirMuito obrigado,por suas palavras de carinho e amizade.GG abraço.